É sempre bom revisitar textos dos quais já não nos lembramos. Estes, foram escritos durante a construção do meu dossier e gosto particularmente deles. Lembram-me que temos memórias e crescemos com elas, mesmo quando pertencem a alguém de quem já nos esquecemos.
Ao meu amigo Paulo
Cresci numa creche até aos seis anos, altura em que fui para a escola. A creche era administrada por freiras, que estavam, por sua vez, afectas à Santa Casa da Misericórdia. Nunca me esqueci o nome da madre superiora; Irmã Xavier.
Era tão pequeno que pouco me lembro desses dias mas, há coisas que ficam sempre gravadas como uma mancha de pele ou um osso saliente onde passamos inconsciente as mãos. A marca está lá. E estão lá os dias num grande salão à roda de uma freira a bordar horas, toda de branco, gestos suaves como penas; não me lembro o seu nome, mas lembro o seu rosto, quase como um anjo. Dias brancos em tardes brancas são as minhas recordações. Há, porém, algo desse tempo presente nos dias de hoje; são os amigos. Sim, os amigos e amigas. Conhecemo-nos todos apesar dos anos distantes. Não sei que tipo de laço nos une, mas acho que consigo contar uma boa dezena deles.
Nesse tempo eu tinha um amigo que, segundo dizia a minha mãe, era o meu melhor amigo. Era o meu amigo Paulo. Recordo-me dele, tanto quanto me recordo de mim. E recordo-me sempre com a alegria à minha frente, como se ele, além de ser Paulo, fosse também alegre. E devia ser, certamente, como o são os muitos irmãos e irmãs que tinha. Não morava para os meus lados. Morava à distância suficiente para, durante alguns anos, poucos, estarmos separados pelas vidas que cada seguia. A escola, e a família. Por isso, depois de começarem as aulas, nunca mais vi o Paulo durante alguns anos, poucos, pensava eu. Poucos, mas eternos anos de criança. Perguntei por ele algumas vezes em casa e manifestei vontade de o visitar. Mas nunca o visitei. Um dia passei junto a casa dele, com a minha mãe, e quando pensei que finalmente o ia ver, minha mãe disse-me que tinha morrido. Eu continuava a ser criança, mas recordo-me que quase lhe chamei mentirosa. Minha mãe teve de me explicar que a leucemia era uma doença do sangue e foi isso que levou o meu amigo Paulo.
Aquilo, naquela idade, foi uma desilusão. Foi uma sapatada que me acertou tão desprevenido que provocou um vazio na ordem natural das coisas. Acho que a partir daí, compreendi que os amigos não duram sempre e muito menos são eternos. Foi essa a sensação que tive. Morreu o meu amigo Paulo antes que pudesse crescer como eu.
Tenho mesmo orgulho de ser tua filha! :')
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